sexta-feira, 20 de agosto de 2010

PALESTRA DE LEOPOLDO SERRAN COLHIDA NO BLOG AUTORES DE CINEMA

Palestra realizada em 26/11/1986, durante o FESTRIO, na série de encontros com roteiristas nacionais e internacionais, no evento intitulado "A Importância do Roteiro Para Cinema e Televisão".



TEMA: SITUAÇÃO DO ROTEIRISTA NO BRASIL.

EXPOSITOR: LEOPOLDO SERRAN

Escritor e roteirista. 27 roteiros filmados, entre eles: "Ganga Zumba" e "A Grande Cidade" (Carlos Diegues), "Copacabana Me Engana" (Antonio Carlos Fontoura), "A Estrela Sobe" (Bruno Barreto) e "Tudo Bem" (Arnaldo Jabor), Três livros publicados: "Shirley", "Duas Histórias para o Cinema" e "Tudo Bem" (junto com Arnaldo Jabor). Leopoldo Serran acaba de concluir um roteiro para um novo filme de Ruy Guerra.



LEOPOLDO SERRAN - Acabamos de ouvir um depoimento bem deprimente, de um país que já teve a sua grandeza no cinema. Este agora será um depoimento também deprimente de um país que nem chegou à tela.***

*** Leopoldo se refere ao depoimento do roteirista italiano Massimo de Rita que, entre outras coisas, declarou que jamais assistira a um filme escrito por ele, para evitar desgostos.


A situação do roteirista no Brasil é péssima, mas é preciso se pesquisar as razões. E antes de tratar especificamente das questões do roteiro, quero considerar alguns aspectos do panorama cultural dos últimos 20 anos, não sob uma ótica sofisticada, porque eu não sou um erudito.

Minha visão pessoal sobre a conjuntura do chamado "Cinema Novo", é a de que, com exceção da fase inicial, se fez cinema debaixo de uma ditadura militar. Deixávamos de fazer apenas comédias populares ou "chanchadas", e a "classe média intelectual" resolvia "pensar por si própria". Mas sob que condições? Dizia o escritor Graciliano Ramos, quando escreveu "Memórias da Cárcere", que se deve tomar cuidado ao se falar em ditadura como justificativa para algum impedimento na escrita; e acrescentava que a ditadura nunca impediu ninguém de escrever, apenas tirou a vontade. Mais tarde, o que se viu durante os 20 anos de regime militar brasileiro? Foi o assassinato da inteligência e a substituição da verdade pela propaganda, fenômeno que começou a ocorrer a partir do primeiro pós-guerra e se agravou com a criação do sistema de redes de TV, inspirada no modelo norte-americano. Se nós ainda não fomos citados no livro "Guiness of Records", é uma falha, porque fomos o primeiro país do mundo a ter uma "revolução" deflagrada por um banqueiro careca ... Está aí uma verdade que a propaganda encobriu. Hoje, temos a "Nova República"; e quando olhamos os seus membros, da Presidência ao Ministério das Comunicações, que controla a mente da população brasileira, vemos que são as pessoas que compunham o "partido da ditadura". Quer dizer, a república não é tão nova assim ...

Quando nós importamos o tipo de sistema de TV norte-americana, importamos também a ditadura da comunicação de massa que existe nos EUA. Um regime aparentemente liberal, onde as pessoas podem dizer o que pensam, mas a voz individual nunca pode ultrapassar a voz da televisão. Portanto, o sistema de TV em rede é algo que se deve enxergar com bastante clareza, antes de se começar a falar em cinema.

Uma das idéias que eu defendo sem encontrar muito apoio, é a de que as telenovelas - as "soap operas" contadas em 300 capítulos, seis meses, às 5, às 6, às 7, às 8 e às 10 horas da noite - são uma maneira de criar "anestesiados" (como na ficção cientifica de George Orwell, "1984", ou o "Farenheit 451", de François Truffaut, onde o controle social é feito através de uma tela de televisão).

O hábito da passividade vem aos poucos atingindo a todos, inclusive aos artistas, e nós tivemos um bom exemplo disso quando foi criado o "Ministério da Cultura". Como não podemos ou sabemos resolver nossos problemas, copiamos as soluções externas americanas ou francesas. E da França, normalmente o que ela tem de mais "pedante", como o "cinema d'auteur", a "Academia de Letras" e o "Ministério da Cultura". Sobre o último, Jean Paul Sartre falou claramente: "A cultura não precisa de ministro". Se é verdade que nenhum artista aceitou ocupar este posto, nenhum também chegou a contestá-lo, isto é, a cumplicidade com o poder e o dinheiro público vivida durante a ditadura, ensinou-nos a ficar "em cima do muro". Assistimos em silêncio e nada foi dito.

Quanto ao cinema, foi sob os auspícios da "ideologia desenvolvimentista" do final dos anos 50, que a classe media começou a "falar com voz própria" - mediante influências estrangeiras. O "cinema de autor" foi uma importação francesa - cujo principal teórico era o cineasta François Truffaut - e trouxe conseqüências desastrosas para o trabalho específico do roteirista. De repente, no Brasil, todo mundo virou autor e o roteiro perdeu sua função.

Ao se estabelecerem os governos militares, o dinheiro particular que financiava o cinema desapareceu; e nós caímos na dependência da verba pública. Grupos de pressão se formaram, fortaleceu-se o cinema de autor e o roteiro continuou relegado. Mas para se saber o porquê do vazio do roteiro, há que se definir quem são os produtores e como eles foram formados na transação com o poder público. São dois os principais aspectos: o primeiro é que o dinheiro público não tem dono e passou a não ser importante o sucesso ou o fracasso de um filme para o produtor (há os que dizem que o dinheiro se ganha antes do filme e não depois). O segundo aspecto é a relação do produtor com o mercado: 50% da renda do filme vai para o exibidor, 25% para o distribuidor, fora as várias taxas, o que torna praticamente inviável o produto no mercado interno. Tudo isso num contexto de diminuição progressiva das salas de exibição, ocupadas na maior parte pelo cinema americano, que se viabiliza no seu próprio mercado (quando exportam, os produtores norte-americanos oferecem 50% para os exibidores estrangeiros).

Sem a ajuda do Estado, a produção nacional não pode se sustentar.

Então, a pergunta que se coloca é a seguinte: Terão os nossos produtores assumido esta condição por puro "tráfego de influência"? Serão eles realmente produtores? E mais: Quantos diretores deixaram o cinema como arte coletiva para "adorarem seus próprios umbigos"?

O que houve nestes últimos anos foi uma total indiferença pelo projeto. Ao contrário de qualquer outra parte do mundo, nós não produzimos projetos que virarão filmes; nós produzimos filmes, direto. Isso coloca todos os profissionais do audiovisual em perigo. Para isso eu costumo dar um exemplo "cinematográfico": a cavalaria americana, quando precisa atravessar o território dos índios, manda na frente os seus batedores, quer dizer, o projeto é a garantia, são os batedores; mas nós mandamos nossos bons técnicos e artistas diretamente para as mão dos peles-vermelhas, que os escalpam. Se alguma coisa ainda se salva com este método absurdo, é, na minha opinião, o verdadeiro "milagre brasileiro" ...

Nessa situação, o maior "bode expiatório" é o roteirista. E com algum a insistência, se ouve dizer: "O cinema brasileiro e muito bom, tem tudo, mas falta roteirista ... ". Mas como o cinema sempre foi contra o roteiro, impedindo a formação de profissionais de um gênero que por natureza e mais difícil, nós acabamos "colhendo o que plantamos" ... Tem também produtor de porte que diz assim: "Ô Leopoldo, o problema é o seguinte: não tem roteirista, nego não sabe escrever, entendeu?". Mas o roteiro não é uma coisa tão importante para ser o problema: se ele existe, é porque há também um problema de produtores. Um projeto idiota, com pagamento irrisório e safado, só pode dar um filme idiota. Sem tempo para escrever, relegado, e sem remuneração adequada ao valor do seu trabalho, o roteirista é que é o culpado ...

Vejo com grande desilusão o que esta acontecendo, e nas conversas que tenho com roteiristas, o que mais ouço falar é: "Vou sair fora". O abandono da profissão inclui até a criação de galinhas. Quando estão dentro, dizem: "Peguei aquele trabalho, precisava do dinheiro, mas já estou arrependido". A gente não precisa disto.• Se não se dedica 1% da verba total de um filme ao roteiro, o que você vai ter é a microcefalia: um corpo muito grande, com uma cabeça pequena. Isso fatalmente vai bater no número de cadeiras cheias ou vazias dentro do cinema.

Por último, eu queria dizer que fui apresentado aqui como presidente da Associação dos Roteiristas. E já que tanta coisa foi ridicularizada, vamos ridicularizar isso também - em princípio, os roteiristas não deviam se associar. Escritores devem viver sozinhos. Mas eu não sou o único, o Doc é tesoureiro da Associação. É só isso, muito obrigado.

http://autoresdecinema.zip.net/

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