«O mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada a partir de perspectivas múltiplas e complementares.
O mito conta uma história sagrada
Pessoalmente, a definição que me parece menos imperfeita, porque mais lata, é a seguinte: o mito conta uma história sagrada; relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos "começos". Dito de outra forma, o mito conta como, graças aos feitos dos Seres Sobrenaturais, uma realidade veio à existência, seja a realidade na sua totalidade, o Cosmos, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição (...)
Características do mito
De uma maneira geral, podemos dizer que o mito, tal como é vivido pelas sociedades arcaicas, 1.º constitui a História dos actos dos Seres Sobrenaturais; 2.º que esta História é considerada absolutamente verdadeira, (porque se relaciona com realidades) e sagrada (porque é obra dos Seres Sobrenaturais); 3.º que o mito se relaciona sempre com uma "criação", conta como qualquer coisa veio à existência, ou como um comportamento, uma instituição, uma forma de trabalhar foram fundados; razão pela qual os mitos constituem os paradigmas de qualquer acto humano significativo; 4.º que, ao conhecer o mito, conhecemos a "origem" das coisas e, por isso, conseguimos dominá-las e manipulá-las à vontade; não se trata de um conhecimento "exterior", "abstracto", mas dum conhecimento que se "vive" ritualmente, seja ao narrar cerimonialmente o mito, seja ao efectuar o ritual ao qual ele serve de justificação; 5.º que, de uma forma ou de outra, "vivemos" o mito, no sentido de que somos possuídos pela potência sagrada, exaltante dos acontecimentos que rememoramos e actualizamos (...)
O mito é um elemento essencial da civilização humana
Para concluir da melhor maneira, citemos as passagens clássicas em que Bronislav Malinowski tentou determinar a natureza e a função do mito nas sociedades primitivas: "Visto naquilo que tem de vivo, o mito não é uma explicação destinada a satisfazer uma curiosidade científica, mas uma narração que faz reviver uma realidade original, e que responde a uma profunda necessidade religiosa, a aspirações morais, a restrições e imperativos de ordem social, e mesmo a exigências práticas (...) O mito é então um elemento essencial da civilização humana; longe de ser apenas uma vã fabulação, é pelo contrário uma realidade viva, à qual não cessamos de recorrer; não uma teoria abstracta ou um desenrolar de imagens, mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria prática (...) Todas estas narrações são para os indígenas a expressão duma realidade original, maior e mais rica de sentido que a actual, e que determina a vida imediata, as actividades e os destinos da humanidade. O conhecimento que o homem tem desta realidade revela-lhe o sentido dos ritos e das tarefas de ordem moral, ao mesmo tempo que o modo segundo o qual os deve realizar."» - Mircea Eliade, "Mito e Realidade", editora Perspectiva
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