sexta-feira, 20 de agosto de 2010

ENTREVISTA COM ROBERT MCKEE

ENTREVISTA COM O GURU DOS ROTEIRISTAS ROBERT MCKEE NA REVISTA EPOCA



(Fonte: Época #625)


O professor de roteiro mais famoso de Hollywood vai ensinar a fórmula que já rendeu 33 Oscars e 168 Emmys

Por LÍVIA DEODATO

Robert McKee é professor dos professores de roteiro de Hollywood. E de alguns dos atores, romancistas, jornalistas e literatos mais premiados do momento – como Kirk Douglas e Peter Jackson. Está a caminho do Brasil na semana que vem para ensinar os princípios que regem uma boa história. Para participar, acesse: www.mckeestorybrasil.com. O site avisa que ainda existem 550 vagas, mas a assessoria do evento diz que há apenas 100 disponíveis. Vai acontecer entre os dias 15 e 18 de maio, das 9h às 19h30 (com intervalo), no Teatro das Artes no Shopping Eldorado, em São Paulo. No dia 14 de maio, das 14h às 19 horas, McKee tem encontro marcado com roteiristas de diversos filmes brasileiros, entre eles Dois filhos de Francisco, Cidade de Deus e O quatrilho, na Galeria Barcalli, na Vila Madalena, também em São Paulo. Abaixo, a entrevista completa.


ÉPOCA – Existe segredo para o bom roteiro?

ROBERT MCKEE – Seria o mesmo que perguntar qual é o segredo da boa música. Para contar uma boa história é preciso ir até a biblioteca pública da esquina. Não há segredo. É uma forma de arte em que o artista deve recorrer aos estudos, à pesquisa, a um curso superior, assim como um bom compositor precisa se graduar para compreender os princípios da composição.

ÉPOCA – O senhor acredita que qualquer pessoa pode escrever uma boa história?

MCKEE – Você precisa ter um talento enorme, ser inteligente, ter uma profunda experiência na vida e conhecimento do assunto que os personagens vão tratar. Com conhecimento e inteligência, a criatividade ganha força. Na verdade, bem poucas pessoas podem escrever boas histórias.

ÉPOCA – Como é o seu workshop? O senhor ensina truques eficientes?

MCKEE – Não. Você deve se comprometer com a inteligência e o sensibilidade dos espectadores. Você deve entregar às pessoas uma história que desperte interesse e que as envolva com a humanidade dos personagens. Não existem regras. As pessoas que pensam em regras para contar histórias produzem um trabalho plástico e artificial. O que existem são princípios. Princípios de expressão visual, por exemplo, assim como há princípios para compor e pintar em escolas superiores. Os princípios norteiam os “artistas da história” quando realizam seus trabalhos para o palco, para uma página ou para a tela.

ÉPOCA – Qual seria o primeiro passo para se escrever uma boa história? Um tema interessante?

MCKEE – Na prática, descobre-se a história enquanto ainda se está escrevendo. Você pode, sim, ter uma ideia antes de começar a escrever, mas você não necessariamente precisa dela pra começar. Você pode escolher iniciar o seu texto com um personagem, uma situação qualquer da vida, uma menção à infância, com casamento, com política. A partir daí, começa a desenvolver as cenas, explorando elementos com uma pesquisa bem feita e muita imaginação. Começar a escrever com uma ideia pronta de como a história vai começar e de como ela vai terminar é raro.

ÉPOCA – Mas encontrar o final não é tão importante como saber como começar?

MCKEE – Encontrar o final é o mais incrível salto criativo. É a peça mais importante que o escritor desenvolve. Mas achá-lo é um longo processo. Tem de haver muita experimentação e improvisação. O clímax final é a concentração de todos os significados, todas as emoções, a revelação profunda da verdade do personagem.

ÉPOCA – Você acredita que esses princípios podem ser úteis para outras áreas, como peças de teatro, reportagens, romances?

MCKEE – Sim, claro. Meu curso se chama Enredo (Story). Documentaristas, historiadores, biógrafos, produtores e diretores de cinema e de TV estão constantemente descobrindo histórias atuais e reais. Contar histórias é a forma universal de comunicação e os princípios para se contar histórias são os mesmos, não importa a mídia. As pessoas que procuram pelo meu workshop não são apenas roteiristas de cinema ou TV. São romancistas, dramaturgos, jornalistas.

ÉPOCA – O senhor acredita que o seu livro, Story – Substância, Estrutura, Estilo e os Princípios da Escrita de Roteiro, que já foi traduzido para 30 línguas, vá sempre precisar de novas edições conforme se agregam ideias inovadoras?

MCKEE – Sim. Estou planejando uma nova edição, que vai ter duas vezes o tamanho dessa original, com dois volumes. E eu espero ter isso tudo pronto daqui cinco anos.

ÉPOCA – O senhor ainda aprende com seus alunos?

MCKEE – Sim. Os inovadores estão sempre me ensinando. Há uma série de TV sendo exibida agora nos Estados Unidos, chamada Damages, cuja estrela é Glenn Close (AXN). Ela é escrita por três rapazes que foram meus alunos. Eles fizeram algumas coisas extraordinárias usando flash forwards, que eu nunca tinha visto antes. Outro dia almoçamos juntos em Nova York e eles me contaram sobre como tiveram essa ideia – e me deram um gancho para uma nova edição do livro. Na sala de edição, começaram a experimentar algumas coisas e descobriram essa técnica, que algumas vezes irrita as pessoas, mas a maioria gosta bastante.

ÉPOCA – O senhor acredita que o seu workshop pode uniformizar o modo da escrita de roteiros no futuro?

MCKEE – Eu sempre repito aos meus estudantes: não anotem nada no meu workshop como se isso fosse uma fórmula. Eles têm de criar a sua própria forma. Eu sei que algumas pessoas se desesperam e só querem obter sucesso. Não querem ser inovadoras, querem copiar. Voltemos à analogia da música: não existe fórmula para música, mas muitas pessoas imitam o que já foi feito, não imitam? Eles copiam uns aos outros porque eles querem alcançar o mesmo sucesso. Infelizmente é o que acontece. Eu ensino a fórmula para libertar os escritores, cujo conteúdo é eternamente flexível, e assim fazer algo realmente verdadeiro e bonito.

ÉPOCA – Quem foi o seu melhor aluno? Pode citar um, pelo menos?

MCKEE – Eu nunca brinco com isso. Existem tantos roteiristas maravilhosos e tão diferentes. Você não pode comparar escritores de comédia com os de drama. Nem os de ação com os que contam histórias de família. Sou muito grato por poder ensiná-los, conhecê-los e assistir ao seu sucesso.

ÉPOCA – Como foi participar do filme Adaptação, de 2002? Foi você quem criou o seu próprio personagem?

MCKEE – Eles me ligaram e me disseram que Charlie Kaufman queria me usar como personagem. Eu disse que queria ler o roteiro. Achei que fosse ser muito divertido, mas disse que deveríamos fazer algumas reuniões criativas porque eu não poderia ser personagem de um filme ruim (risos). E naquele momento, eles estavam com alguns sérios problemas de história. Também disse que eu teria que ter controle do elenco. Meu querido amigo Brian Cox é um ator maravilhoso que soube criar meu personagem de forma muito honesta e engraçada.

ÉPOCA – O quanto de você existe naquele personagem? Você é bravo daquele jeito?

MCKEE – Quando o meu filho viu o filme, ele disse: “Pai, entenderam você perfeitamente!” (risos). Mas eu não sou tão bravo assim, exageraram porque estavam se divertindo. Nunca fiquei bravo por alguém me fazer uma pergunta. Mas eu fico, ocasionalmente, quando as pessoas são rudes. Pessoas que não desligam os celulares, que conversam, que se comportam mal e tiram a atenção de outros alunos. Mas nunca gritei com ninguém.

ÉPOCA – No filme, quando o Nicolas Cage pergunta sobre a possibilidade de escrever um roteiro em que não acontece muita coisa, “assim como é a vida”, seu personagem discorda, aos gritos. Você está de acordo com ele?

MCKEE – Sim, claro. Alfred Hitchcock disse: “história é realidade sem as partes chatas”. Ele está certo. Ignore as partes chatas em que nada acontece porque isso não significa nada para um filme ou uma peça. Concentre-se nos pontos de mudança. Seres humanos passam por mudanças, tanto para o bem como para o mal. Senão, contar histórias não faria sentido.

ÉPOCA – Você conhece os filmes brasileiros? O que acha deles?

MCKEE – Conheço os clássicos, como Dona Flor e seus dois maridos, Central do Brasil, Orfeu, O beijo da mulher aranha. Tenho grande admiração pelo cinema brasileiro.

ÉPOCA – Muitas pessoas criticam o cinema brasileiro por ele explorar em grande parte a miséria. Sendo americano, o que você pensa sobre isso?

MCKEE – Você quer dizer que os diretores não se interessam em fazer filmes sobre a classe média? Os críticos acreditam que eles colocam o Brasil sob uma luz ruim? Que eles não deveriam filmar o sofrimento e a pobreza, e sim quão felizes as pessoas são no Brasil?

ÉPOCA – Não, mas que talvez fosse o caso de contar histórias mais internacionais, como por exemplo a do filme argentino ganhador do Oscar, O Segredo dos Seus Olhos…

MCKEE – Posso afirmar que O beijo da mulher aranha é universal e Dona Flor é um dos filmes mais bonitos que já vi. Sonia Braga é um gênio, uma ótima atriz. E esses filmes não falam a respeito da pobreza. Eu acredito que nunca se deve dizer a um artista para onde ele deve ir caçar histórias. Ele vai atrás do assunto que realmente importa para ele. A única coisa que eu peço é que eles “escavem” a superfície da vida e expressem a verdade contida ali. Como e por quê o que acontece, acontece. O assunto é escolha deles.

ÉPOCA – Por que você preferiu ensinar a atuar como roteirista?

MCKEE – Eu descobri o que eu amo fazer, que é estudar, adquirir conhecimento na arte da escrita, escrever e ensinar como escrever. É muito mais excitante e satisfatório para mim do que criar roteiros para a tela. Eu já fiz muitos roteiros para filmes, séries, shows. Já vendi muitos roteiros para Hollywood. O que eu descobri oferecendo palestras sobre a arte de escrever é que esse é o meu lar. Muitos de meus alunos, que não são só roteiristas, mas sim escritores, jornalistas, romancistas, também já ganharam prêmios de literatura, como o Livro do Ano, Pulitzer. Esses últimos 25 anos de trabalho foram os mais maravilhosos, satisfatórios e excitantes da minha vida.

ÉPOCA – Sem contar a potente injeção de verbas, por que você acha que os Estados Unidos serve como modelo na indústria do cinema hoje?

MCKEE – Hollywood não foi sempre o modelo. Se voltarmos à era silenciosa, os longas alemães eram o centro do mundo. Entre o final da 2ª Guerra Mundial e os anos 1970, a Europa era o eixo. E nos últimos 10 ou 15 anos, os filmes asiáticos têm sido os melhores do mundo – particularmente os coreanos e, é claro, os japoneses. Os filmes hollywoodianos têm obtido mais sucesso comercialmente. Eles fazem mais dinheiro do que outros. Porque nós temos atores, produtores e diretores muito bons e Hollywood sabe como fazer filmes internacionais. E é para isso que eu estou indo para o Brasil: tentar oferecer os princípios que tornam a arte de contar histórias internacional, ainda que o Brasil já tenha obtido êxito no que diz respeito a sucesso internacional. E nem estou falando a respeito apenas dos filmes americanos. Os melhores escritores hoje não estão no cinema, mas sim na televisão americana. As séries estão simplesmente brilhantes. E eles conseguiram esse reconhecimento em todo o mundo por causa da qualidade das histórias contadas – de A família Soprano a Sete Palmos, do Sex and the city ao The Wire, ao Damages.

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